A Excelência do Método Canônico (I)

INTRODUÇÃO
Certa vez, ao tentar recompor uma propositura teológica, vi-me constrangido a resolver uma questão crucial e um tanto incômoda: Que método hermenêutico devo adotar? Eu poderia ter optado pelo método liberal: o histórico-crítico. Ou prosseguir com o preferido por boa parte dos fundamentalistas: o histórico-gramatical. Mas tais opções apresentavam alguns problemas e várias inconsistências. Decidi, então, elaborar uma metodologia que me conduzisse à Bíblia Sagrada, reconsagrando-a como a inspirada, inerrante e completa Palavra de Deus, pois, somente assim, teria condições hermenêuticas e teológicas de alcançar a meta que eu delineara ao esboçar aquela obra.

O método que, aqui, exponho e que, a partir deste instante, passo a chamar de canônico, é alicerçado em cinco pressupostos: o fideísta, o linguístico, o histórico, o soteriológico e o edificativo. A estas alturas, a questão já é imperiosa: por que a metodologia é imprescindível ao labor teológico?

I. A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO

Embora o método não seja um fim em si mesmo, não podemos ignorá-lo no labor teológico. Sem uma metodologia bíblica confiável e fundamentada na genuína fé cristã, jamais viremos a compreender as verdades que o Pai Celeste revela-nos em sua Palavra.

1. Definição de método. O étimo da palavra método provém do grego e significa meio, ou caminho, que se usa para se chegar a determinado fim. Nesse sentido, o método é o processo que, conduzido logicamente, tem por objetivo orientar a pesquisa de um tema quer científico quer filosófico ou teológico.

2. Método hermenêutico-teológico. Enaltecida como ciência divina, a Teologia não dispensa as ferramentas da razão, embora esteja muito acima desta. Doutra forma, não poderia sistematizar, com eficiência, as verdades referentes ao Verdadeiro e Único Deus expostas na alma humana, no mundo natural, na História e, principalmente, na Bíblia Sagrada. Na verdade, os instrumentos da razão não pertencem rigorosamente à Filosofia; sempre estiveram em nosso espírito. O próprio Deus insta seus filhos a arrazoarem com Ele (Is 1.18). Conclui-se que o Criador é um Ser logicamente plausível.

No Areópago de Atenas, Paulo fez uso da filosofia grega a fim de expor aos estoicos e epicureus duas coisas: a inutilidade dessa mesma filosofia e a eficácia do Evangelho (At 17.16-31). Em sua apologia, o apóstolo foi mais eloquente que Péricles, mais inquiridor que Sócrates, mais lógico que Aristóteles e muito mais sublime que Platão. Se por um lado, não converteu os filósofos ali reunidos; por outro, constrangeu-os a se calarem. Mas nem por isso deixou de ser evangélico e soteriológico; levou Dâmares, Dionísio e outros ouvintes aos pés de Jesus (At 17:34).

3. O método canônico. O método canônico pode ser descrito como a exegese, que, partindo do Cânon Sagrado, interpreta este mesmo Cânon com os recursos daí advindos. Em palavras mais simples, a Bíblia Sagrada possui recursos suficientes para interpretar a si mesma. Firmado nessa pressuposição áurea, provarei, ao longo desta obra, que a Palavra de Deus não depende das ciências humanas para falar ao nosso coração. Isso não significa que desprezaremos a concorrência da história, da arqueologia e da linguística. Tais recursos terão a sua vez. No entanto, comportar-se-ão como auxiliares submissos e dóceis da Teologia.

Achei por bem chamar de canônico a este método, porque todos os instrumentos de que necessito para interpretar as narrativas e proposições sagradas encontram-se no cânon da própria Bíblia. Tal procedimento, usado pelos apóstolos para interpretar cristologicamente os profetas, fora utilizado originalmente por estes a fim de virem a entender, com base nos escritos de seus predecessores, os sinais dos tempos. Haja vista Daniel. Indagando a sorte dos judeus exilados em Babilônia, ele só logrou compreender o mistério das Setenta Semanas, após debruçar-se sobre os escritos de Jeremias (Dn 9:1,2).

Se lermos atentamente o Salmo 119, constataremos que Davi, ao servir-se do método canônico, veio a conhecer em sua essência o espírito da Lei que o Senhor entregara a Moisés. Já os escribas e fariseus, por outro lado, entorpecidos pelo magistério dos anciãos, foram incapazes de ver, no Antigo Testamento, a chegada do Novo. Ainda hoje, quando os judeus põem-se a ler a Lei, os Profetas e os Escritos veem-se toldados pelo véu de sua hermenêutica viciada pela incredulidade (2 Co 3:15,16). No desprezo pelo método canônico, são incapazes de contemplar a Jesus nas Escrituras que têm em mãos (Rm 10:8-13). E, ainda que haja eruditos competentes entre eles, não conseguem desenvolver uma cristologia mínima. Como podem ler o capítulo 53 de Isaías e não contemplar, ali, o Cristo ferido e humilhado de Deus?

Vejamos, a seguir, os pressupostos básicos do método canônico. Tais pressupostos, aliás, não são ignorados apenas pela comunidade hermenêutica de Israel; ignoram-nos, igualmente, a academia teológica cristã pós-moderna.

(Continua na próxima semana, se Deus assim o quiser)
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Claudionor de Andrade Claudionor de Andrade é Consultor Teológico da CPAD, membro da Casa de Letras Emílio Conde, teólogo, conferencista, Comentarista das Revistas Lições Bíblicas da CPAD e autor dos livros “As Verdades Centrais da Fé Cristã”, “Manual do Conselheiro Cristão”, “Teologia da Educação Cristã”, “Manual do Superintendente da Escola Dominical”, “Dicionário Teológico”, “As Disciplinas da Vida Cristã”, “Jeremias – O Profeta da Esperança”, “Geografia Bíblica”, “História de Jerusalém”, “Fundamentos Bíblicos de um Autêntico Avivamento”, “Merecem Confiança as Profecias?”, “Comentário Bíblico de Judas”, “Dicionário Bíblico das Profecias” e “Comentário Bíblico de Jó”, dentre outros títulos da CPAD.
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