A Excelência do Método Canônico (I)
O método que, aqui, exponho e que, a partir deste instante, passo a chamar de canônico, é alicerçado em cinco pressupostos: o fideísta, o linguístico, o histórico, o soteriológico e o edificativo. A estas alturas, a questão já é imperiosa: por que a metodologia é imprescindível ao labor teológico?
Embora o método não seja um fim em si mesmo, não podemos ignorá-lo no labor teológico. Sem uma metodologia bíblica confiável e fundamentada na genuína fé cristã, jamais viremos a compreender as verdades que o Pai Celeste revela-nos em sua Palavra.
1. Definição de método. O étimo da palavra método provém do grego e significa meio, ou caminho, que se usa para se chegar a determinado fim. Nesse sentido, o método é o processo que, conduzido logicamente, tem por objetivo orientar a pesquisa de um tema quer científico quer filosófico ou teológico.
2. Método hermenêutico-teológico. Enaltecida como ciência divina, a Teologia não dispensa as ferramentas da razão, embora esteja muito acima desta. Doutra forma, não poderia sistematizar, com eficiência, as verdades referentes ao Verdadeiro e Único Deus expostas na alma humana, no mundo natural, na História e, principalmente, na Bíblia Sagrada. Na verdade, os instrumentos da razão não pertencem rigorosamente à Filosofia; sempre estiveram em nosso espírito. O próprio Deus insta seus filhos a arrazoarem com Ele (Is 1.18). Conclui-se que o Criador é um Ser logicamente plausível.
No Areópago de Atenas, Paulo fez uso da filosofia grega a fim de expor aos estoicos e epicureus duas coisas: a inutilidade dessa mesma filosofia e a eficácia do Evangelho (At 17.16-31). Em sua apologia, o apóstolo foi mais eloquente que Péricles, mais inquiridor que Sócrates, mais lógico que Aristóteles e muito mais sublime que Platão. Se por um lado, não converteu os filósofos ali reunidos; por outro, constrangeu-os a se calarem. Mas nem por isso deixou de ser evangélico e soteriológico; levou Dâmares, Dionísio e outros ouvintes aos pés de Jesus (At 17:34).
3. O método canônico. O método canônico pode ser descrito como a exegese, que, partindo do Cânon Sagrado, interpreta este mesmo Cânon com os recursos daí advindos. Em palavras mais simples, a Bíblia Sagrada possui recursos suficientes para interpretar a si mesma. Firmado nessa pressuposição áurea, provarei, ao longo desta obra, que a Palavra de Deus não depende das ciências humanas para falar ao nosso coração. Isso não significa que desprezaremos a concorrência da história, da arqueologia e da linguística. Tais recursos terão a sua vez. No entanto, comportar-se-ão como auxiliares submissos e dóceis da Teologia.
Achei por bem chamar de canônico a este método, porque todos os instrumentos de que necessito para interpretar as narrativas e proposições sagradas encontram-se no cânon da própria Bíblia. Tal procedimento, usado pelos apóstolos para interpretar cristologicamente os profetas, fora utilizado originalmente por estes a fim de virem a entender, com base nos escritos de seus predecessores, os sinais dos tempos. Haja vista Daniel. Indagando a sorte dos judeus exilados em Babilônia, ele só logrou compreender o mistério das Setenta Semanas, após debruçar-se sobre os escritos de Jeremias (Dn 9:1,2).
Se lermos atentamente o Salmo 119, constataremos que Davi, ao servir-se do método canônico, veio a conhecer em sua essência o espírito da Lei que o Senhor entregara a Moisés. Já os escribas e fariseus, por outro lado, entorpecidos pelo magistério dos anciãos, foram incapazes de ver, no Antigo Testamento, a chegada do Novo. Ainda hoje, quando os judeus põem-se a ler a Lei, os Profetas e os Escritos veem-se toldados pelo véu de sua hermenêutica viciada pela incredulidade (2 Co 3:15,16). No desprezo pelo método canônico, são incapazes de contemplar a Jesus nas Escrituras que têm em mãos (Rm 10:8-13). E, ainda que haja eruditos competentes entre eles, não conseguem desenvolver uma cristologia mínima. Como podem ler o capítulo 53 de Isaías e não contemplar, ali, o Cristo ferido e humilhado de Deus?
Vejamos, a seguir, os pressupostos básicos do método canônico. Tais pressupostos, aliás, não são ignorados apenas pela comunidade hermenêutica de Israel; ignoram-nos, igualmente, a academia teológica cristã pós-moderna.