Teologia como Poética e Ciência da Revelação de Deus

O Evangelho não traz uma doutrina mediante a qual o indivíduo é salvo se compreendê-la, mas uma revelação de Deus. A revelação divina trouxe ao mundo uma ação salvífica que se revela na história, e salva a própria história. A revelação não é mero conhecimento sobre Deus ou um pacote de doutrinas, mas experiência salvífica feita no interior da vida e da história humana.

  1. A teopoética grega

O termo teologia origina-se do pensamento grego. O vocábulo é formado por dois substantivos, theós (qeo,j) e lógos (lo´´,goj), e significa “discurso sobre Deus”. Os primeiros teólogos entre os gregos foram os poetas, especialmente aqueles que, como Hesíodo em sua Teogonia, discursaram em verso e prosa a respeito da criação do mundo (mito cosmogônico) e da gênese dos deuses gregos (mito teológico). Lembremos que os teólogos alexandrinos, Clemente e Orígenes, entendiam a filosofia grega como uma revelação racional de Deus para os helenos.

Essa remota origem da palavra esclarece algumas questões epistemológicas a respeito do saber teológico entre os gregos.

Primeiro, a teologia era um discurso criativo que procurava compreender o mistério que circunda o cosmos, a vida. Segundo, a teologia era uma narração engenhosa e imaginativa que explicava a origem das divindades. Terceiro, a teologia era uma narração contextualizada com a cultura e a vida, que explicava o sucesso e o fracasso dos homens. Quarto, a teologia era um saber que envolvia o conhecimento, os gêneros, os artifícios da genialidade e linguagem humana. E, por último, a teologia era um conhecimento mistagógico, que conduzia o homem para dentro do mistério, da compreensão do símbolo, da sacralidade do mundo, dando-lhe uma resposta a respeito do fim último.

Para os primeiros teólogos poéticos, não existia uma diferença entre teologia e poesia (teopoética) ou teologia e antropologia: Falar dos deuses implicava em discursar poeticamente sobre os homens. A oralidade e, depois, a literatura, eram os principais instrumentos para especular e narrar o saber racional a respeito do divino e suas relações com os homens da pólis.

Cedo na história do pensamento grego, os teólogos poéticos souberam que o mundo dos deuses (theoí) era distinto do universo dos mortais (thanatoí), de tal modo que os primeiros são imortais (athánatoi) e bem-aventurados (eudaímones), enquanto os homens são efêmeros (ephémeroi) e infelizes (talaíporoi).

  1. Conceito Bíblico

O termo teologia não aparece nas Escrituras. Contudo, alguns textos bíblicos empregam lógos e theós para se referirem à palavra ou oráculo de Deus. Entre os vários exemplos significativos do uso desses vocábulos nas páginas do Novo Testamento encontramos: em Lc 8.21 (ton logon tou theou), At 17.13 (ho lógos tou theou), Rm 3.2 (ta lógia tou theou) e 1Pe 4.11 (hos lógia theou).

Na primeira perícope, a Palavra de Deus é a mensagem do Reino; na segunda, a pregação apostólica; na terceira, o cânon das Escrituras Hebraicas; e na última, resume os significados anteriores. Nesta acepção do vocábulo, o teólogo é tanto o que fala a Palavra de Deus quanto aquele a quem Deus fala (teólogo). Confunde-se assim, com os ish ha Elohîm (homem de Deus) da antiguidade bíblica. Todavia, há tantas teologias que é difícil saber quando realmente Deus fala por meio de um teólogo! Eclesiasticamente, a Teologia é definida como um discurso racional da revelação de Deus, dos fundamentos da fé, dos credos cristãos ou da tradição religiosa.

  1. Teologia e Revelação.

Falar da revelação de Deus é discursar da relação de Deus com o homem. É o Senhor quem toma a inciativa de se autorevelar. Assim a revelação é autocomunicação livre, graciosa e amorosa que Deus faz de si e de sua vontade aos homens. Eis, portanto, o objeto formal da Teologia: Deus que se revela para salvar e salva ao se revelar.

A teologia cristã entende, por conseguinte, que somente é possível falar (lógos) sobre Deus (theós) a partir da revelação que Ele próprio faz de si mesmo e de suas obras ao homem. É Deus quem se revela e se comunica com o homem e ao se revelar torna-se em parte conhecido, em parte abscôndito. É possível pela razão, não obstante aos seus limites, se chegar ao conhecimento de Deus, mas não é possível restringi-lo às categorias racionais e linguísticas. Deus, que é Mistério, se revela a si mesmo e mesmo ao se revelar permanece Mistério. A revelação de Deus não desvenda o mistério, mas o confirma.

A revelação do nome de Deus a Moisés em Êx 3.13-15, por exemplo, tem elementos do mistério que circunda a manifestação que Javé faz de si mesmo. O Deus que se mostra, afirma P. Ricouer, é um Deus escondido e a quem pertencem as coisas ocultas.8 Deus se revela por meio de um nome Inominável! Se na cultura judaica primitiva conhecer o nome de um personagem tornava-o disponível ao talante do conhecedor; a revelação do Nome a Moisés demonstrava que o Senhor não estaria à mercê da linguagem e disposição de seus adoradores. “Eu Sou” (Ehyéh asher ehyéh) não é um nome que desvela sua natureza e essência incomunicável, mas que o coloca como o Deus da Redenção do passado, do presente e do futuro. O que Ele é está oculto na essência do que o Nome significa. Há, portanto, um segredo e uma comunicação, um mistério e um desvelamento.

A teologia, por conseguinte, estuda não apenas a respeito de Deus, mas também de sua revelação e relacionamento com o homem. Afinal, a nossa experiência com Deus também é a experiência de Deus conosco – o Emanuel.

Deste modo, o conceito que se tem de Deus reflete na explicação que se dá a respeito do homem. Heidegger entendia que o mundo é uma conexão de coisas finitas criadas por Deus e somente a partir do conceito de Deus é possível discutir e deduzir o que pertence ao ente na medida em que ele é criação divina. A origem do homem está em Deus e o sentido da existência e da natureza real do ser humano encontra-se respectivamente nEle. Neste aspecto, a teologia cumpre uma função importante no âmbito das ciências humanas, porquanto acentua a importância e necessidade de se conhecer a Deus como caminho para o estabelecimento de uma sociedade mais justa e igualitária, pois, como afirma Andrés Queiruga, que “pelo esquecimento de Deus, a própria criatura torna-se obscura”. A obscuridade do homem torna-se luz na revelação que Deus faz de si, de sua obra e vontade.

Esdras Costa Bentho

Pedagogo, Mestre e Doutorando em Teologia -PUC RJ

Coordenador de Teologia da FAECAD.

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