Analistas reprovam ideia de Lula sobre votos secretos de ministros

A sugestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de determinar sigilo sobre como vota cada ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) teve repercussão negativa entre analistas do Direito. Especialistas consultados pelos jornais Gazeta do Povo e O Globo reprovaram o “conselho” do líder do Planalto, considerando que ele criaria um ideal de “juízes sem rosto”.

É o que defende a doutora e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Janaína Penalva. Ela lembra que a Constituição, em seu artigo 93, expressa que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”.

– Isso [a sugestão de Lula] precisa de emenda constitucional, e ninguém vai concordar. Parece-me uma solução equivocada, a sugestão do presidente – analisou.

Para Penalva, a fala de Lula visa blindar seu mais novo indicado, Cristiano Zanin, de reclamações da esquerda por causa de seus votos mais conservadores. Ela destaca que os ministros do Supremo precisam ser capazes de suportar críticas. Também considera que impor sigilo aos votos poderia fragilizar a posição das mulheres na Suprema Corte, que são apenas duas: Cármen Lúcia e Rosa Weber.

– [A ideia] Deixa livre o espaço para pressões dos homens, reduz o direito de fala. Opressão mesmo: interromper a fala, pressionar. A publicidade protege a independência. As ministras seriam mais facilmente oprimidas em um espaço muito branco e patriarcal – acrescentou.

Já Álvaro Palma de Jorge, professor da FGV Direito Rio, declarou que a legitimidade dos magistrados diante da sociedade depende não apenas da lei, mas da motivação de suas decisões e suas justificativas.

– O presidente acertou na doença, mas errou no remédio. Ele identificou bem que não faz sentido as pessoas atacarem pessoalmente ministros por uma decisão ou outra. Mas voto secreto não é uma solução possível – analisou.

O mestre em Direito pela UFMG Hugo Freitas, por sua vez, avalia que a fala de Lula resume a filosofia neodemocrática pós-2016 de não criar animosidade. Nela, democrático seria “sustentar o poder estabelecido”, e antidemocrático seria tudo o que contraria o sistema, mesmo que sejam palavras.

– O prefixo “demo” foi esquecido e “democracia” virou uma metonímia para designar o próprio poder estabelecido, assim como “a Coroa” era a metonímia usada nas monarquias – defendeu.

O professor Luiz Fernando Esteves, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), acredita que é fundamental que as pessoas entendam as decisões do STF e se sintam parte das instâncias de poder.

– No contexto brasileiro, uma mudança que busque maior sigilo poderia gerar uma maior desconfiança da população com o Supremo – ponderou.

Janaina Paschoal foi outra especialista que se pronunciou. Professora e doutora em Direito penal pela USP, ela pontua que, embora a segurança dos ministros seja importante, “determinados cargos implicam riscos e pressupõem resistência às críticas”.

– Já disse e repito, Lula é muito inteligente. Ele sabe que o julgamento do Mensalão não teria o desfecho que teve, não fosse o escrutínio popular. Não podemos admitir recuos em termos de transparência. Há tempos, a esquerda ensaia fechar os julgamentos do STF, sob os mais diversos argumentos. Lula, estrategicamente, abraça justificativa difícil de contestar, mas é preciso! – disse ela, por meio do Twitter.

Há, contudo, especialistas que defendem a adoção, em parte, do modelo proposto por Lula. Nesse caso, somente a deliberação seria secreta, enquanto os resultados e o voto de cada ministro seriam públicos, como ocorre nos Estados Unidos.

Para o doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, o advogado e professor Horacio Neiva, julgamentos ao vivo podem incentivar “disputas ególatras, retóricas, brigas desnecessárias, ministro querendo fazer um argumento para passar no jornal”, e por isso, em sua visão, as discussões deveriam ser a portas fechadas.

DECLARAÇÃO DE LULA
A fala do presidente ocorreu em sua live semanal, Conversa com o Presidente, transmitida nesta terça-feira (5). Na ocasião, o petista justificou que o sigilo ajudaria a não criar “animosidade” no país.

– A sociedade não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte. Eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber. Votou, maioria, 5 a 4, 6 a 4, 3 a 2. Não precisa ninguém saber se foi o Uchôa que votou, o Camilo que votou. Porque aí, cada um que perde fica com raiva e cada um que ganha fica feliz. Para a gente não criar animosidade, eu acho que era preciso começar a pensar se não é um jeito de a gente mudar o que está acontecendo no Brasil. Porque do jeito que vai, daqui a pouco, o ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua – defendeu.

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