“Milagre estar vivo”, diz pastor ao relembrar de sequestro que terminou com maior perseguição policial do país, há 30 anos

O menino Said Agel Filho, sequestrado em Goiânia e libertado em 9 de agosto de 1989 | Foto de acervo pessoal

Said Agel Filho tinha 9 anos quando foi levado por bandidos na porta de sua casa, em Goiânia. Naquela quarta-feira, o menino voltava da aula de karatê quando os criminosos chegaram de carro, dizendo que seu pai estava num bar esperando por ele. O garoto não acreditou na história, mas foi agarrado a força e obrigado a usar um capuz até chegar no cativeiro. Começava, então, um sequestro que causou comoção em todo o país. Said foi libertado uma semana depois, no dia 9 de agosto de 1989, há exatos 30 anos, mas os bandidos fizeram novos reféns e deram início a uma fuga que se estendeu por três estados e chegou até o Paraguai. 

Segundo noticiou O GLOBO na época, aquela foi a maior perseguição da história do país até então, mobilizando mais de 400 policiais civis e militares por cerca de 2 mil quilômetros. No fim das contas, de acordo com reportagens sobre o caso, quatro bandidos fugiram, mesmo depois de cercados diversas vezes pelas forças de segurança. Nunca foram encontrados. No total, oito pessoas foram feitas reféns. O crime expôs a fragilidade das autoridades de então para lidar com esse tipo de situação. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) de Goiás atribui justamente a esse episódio a criação do Grupo Anti-Sequestro.

— Quando chegamos no cativeiro, eles me colocaram em um quarto fechado, e um homem encapuzado descobriu a minha cabeça para conversar comigo. Disse que eu tinha sido sequestrado e que ele queria que meu pai pagasse o resgate. Fiquei uma semana lá nas mãos dos bandidos. Eles me ameaçavam colocando arma na minha cabeça — relembra Said, filho de um advogado conhecido na cidade.

Hoje aos 39 anos de idade e formado em Direito, Said se refez do trauma. É pastor evangélico e servidor público da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Ainda morador de Goiânia, tem mulher e dois filhos, de 9 e 7 anos.

— Se hoje estou vivo, é porque Deus me guardou. Na época, fiquei traumatizado, sem sair de casa, e nem consegui fazer terapia. Mas, hoje, sou casado com uma psicóloga. Existe um Deus que sempre cuidou de mim. É um milagre estar vivo.

Página do GLOBO do dia 10 de agosto de 1989 | Acervo O GLOBO

Casos de sequestro eram frequentes entre o final da década de 80 e meados dos anos 90 no Brasil. Empresários, profissionais liberais e seus familiares se tornaram alvos de quadrilhas “especializadas” nesse tipo de crime, que se mostrou lucrativo justamente porque as polícias ainda não estavam treinadas para combatê-lo. Pessoas conhecidas do mundo dos negócios, como Roberto Medina e Abílio Diniz, foram vítimas desses bandidos naquela época. Mas o caso de Said chamou atenção do país porque, além de se tratar de uma criança, levou a uma perseguição policial de vários dias, que terminou com a fuga dos sequestradores. 

A polícia chegou ao cativeiro de Said um dia após matar dois envolvidos no crime e prender uma cúmplice. No dia 8 de agosto de 1989, os suspeitos foram localizados quando usavam um orelhão para falar com a família da vítima, e houve uma intensa troca de tiros. Como o telefone público não ficava perto do cativeiro, os agentes continuaram atrás de pistas que levassem ao garoto. De acordo com o hoje pastor, aquele foi um dos momentos mais tensos de todo o seu pesadelo. Justamente porque ele ainda estava sob poder do bando quando os dois sequestradores foram mortos pelos agentes de segurança.

— Um dos sequestradores soube que mataram os irmãos dele e falou que ia me matar. Ele ficou discutindo com uma mulher quem ia me matar — conta Said, que, no dia seguinte foi obrigado por uma sequestradora a beber um suco de laranja que estaria envenenado. – Eu bebi o suco e fiquei zonzo. Foi neste momento que a polícia chegou, e teve troca de tiros. Eles ficaram negociando o dia inteiro.

Àquela altura, o crime tinha se tornado notícia no país todo. Os bandidos estavam fortemente armados. Após cerca de dez horas de negociação, o garoto foi trocado por três repórteres que trabalhavam na cobertura do caso, todas mulheres. Elas se ofereceram para ficar no lugar dele. Os quatro sequestradores que restavam exigiram um carro-forte e um avião para a fuga. O pai de Said pagou um resgate de 100 mil cruzados novos (cerca de R$ 330 mil em valores atuais). Os criminosos entraram no carro-forte com as jornalistas e soltaram o garoto. Após a tentativa frustrada de sair de avião, eles pegaram a estrada em direção ao Sul do país. Neste processo, uma refém foi trocada por um taxista. 

Eles atravessaram o Estado de São Paulo todo no carro blindado e chegaram até Itororó de Paranapanema, na divisa com o Paraná. No local, os bandidos pegaram um avião bimotor, fazendo de reféns o proprietário da aeronave e um piloto. Àquela altura, a fuga já estavam em seu quinto dia. Eles libertaram as duas jornalistas e o motorista e fugiram para o Paraguai, onde foram recebidos por um cerco de policiais do país vizinho. Os bandidos, então, voltaram ao Paraná, onde deixaram o avião e roubaram uma caminhonete, sequestrando, agora, o motorista do carro, que depois foi deixado na estrada. Os bandidos não foram mais localizados.

— A polícia não estava preparada para reagir a sequestros. Foi um crime que estava começando a acontecer, os criminosos viram alternativa de ganhar muito dinheiro até por essa falta de preparo. Mas a polícia se especializou e, anos depois, houve uma diminuição muito grande de sequestros — diz Said.

Fonte: oglobo – Isabela Aleixo*

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