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Estudo mostra impacto de bebidas alcoólicas na saúde pública

As doenças não transmissíveis representam mais de 72% das mortes globais anuais e agora estão recebendo, com razão, maior atenção na agenda global de saúde. No entanto, um dos principais fatores de risco para doenças não transmissíveis continua sendo negligenciado: o álcool. Embora a indústria do álcool use sofisticadas campanhas de relações públicas para manter essa quase invisibilidade na agenda da saúde, a comunidade internacional também é culpada. Os formuladores de políticas de saúde não utilizam as evidências sobre o álcool, não identificam e não enfrentam interferências da indústria do álcool ou priorizam recursos, políticas e programas para o controle do álcool.

Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), o álcool, como o amianto e o tabaco, é um carcinógeno do grupo 1 e pode causar múltiplas formas de câncer, como o câncer de mama; os riscos à saúde estão associados ao consumo de bebidas em qualquer dose. O Relatório de Status Global sobre Álcool e Saúde da OMS de 2018 estima que, anualmente, o álcool é responsável por mais de 25% das mortes mundiais em pessoas de 20 a 39 anos e mata mais de 3 milhões de pessoas, o equivalente à população de Berlim ou Abuja. Em 2016, a Public Health England constatou que o álcool é a principal causa de morte no Reino Unido em pessoas de 15 a 49 anos e é um fator para mais de 200 condições de saúde [1]. Além disso, estudos no Reino Unido, União Europeia e Austrália descobriram que o álcool é, no geral, mais prejudicial do que todas as outras drogas, tanto para seus consumidores como para terceiros [2, 3, 4]. O consumo mundial de álcool também está se expandindo rapidamente e deve aumentar em mais de 10% até 2030. Prevê-se que esse aumento seja impulsionado pela expansão do mercado em regiões-chave, incluindo a região do Sudeste Asiático (46,8% de crescimento do mercado até 2030) e região do Pacífico Ocidental (33,7% de crescimento do mercado até 2030) [5]. Assim, os formuladores de políticas globais incluíram o controle de álcool nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas muitas vezes permanecem inconscientes da interferência da indústria deste setor.

Aprendendo com a indústria do tabaco, a indústria do álcool divulgou dúvidas e confusões sobre os efeitos do álcool na saúde, financiando pesquisas e participando de amplas campanhas de relações públicas, incluindo o uso das mídias sociais, para enganar o público sobre os vínculos entre álcool e câncer [6]. No entanto, a indústria do álcool evitou amplamente o estigma associado à indústria do tabaco [7]. Pelo contrário, a indústria do álcool goza de relativa discrição em seus esforços para distorcer a formulação de políticas públicas. Embora a Smoke-Free World (Fundação para um Mundo Sem Fumo) da Philip Morris International tenha sido amplamente condenada pela comunidade internacional no campo da saúde, a Fundação criada pela maior cervejaria do mundo, a Anheuser-Busch InBev, que, segundo o site da organização, foi “criada para reduzir o beber nocivo globalmente ”, recebe pouco ou nenhum escrutínio.

De fato, a fundação atrai altos funcionários da ONU e ex-funcionários do governo dos EUA para o seu conselho e financia e se envolve em processos de formulação de políticas. Apesar dos óbvios conflitos de interesse, a Fundação Anheuser-Busch InBev patrocina um fórum do US National Academies of Science (as Academias Nacionais de Ciências dos EUA) sobre prevenção à violência global [8]. Outro exemplo é o UNLEASH, criado pela Fundação Carlsberg, que é um “laboratório de inovação global” para jovens inovadores criarem redes para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em parceria com o PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a Universidade da ONU, a ONU Habitat e muitos outros.

Esse engajamento reflete uma estratégia deliberada em todo o setor para moldar a formulação de políticas. A indústria do álcool deturpa evidências dos efeitos adversos à saúde causados pelo álcool e procura desenvolver parcerias para retratar a indústria como um parceiro responsável, construindo argumentos que se concentram nos consumidores de álcool e não no fornecimento de álcool em si [6,9]. Por exemplo, houve esforço de parceria para apoiar um estudo do National Institutes of Health (NIH) dos EUA sobre os efeitos do álcool na saúde, mas com uma metodologia enviesada; esse viés foi descoberto e a parceria foi cancelada em 2018. O fundo global foi suspenso, mas ainda não encerrou a preocupante parceria da organização com a Heineken [10]. Em 2019, a OMS emitiu orientações para a equipe que proíbem parcerias, recebimento de apoio ou colaboração com a indústria do álcool [11].

Além dessas diretrizes para sua equipe, a nova iniciativa SAFER da OMS para os formuladores de políticas nacionais tem como princípio proteger os países da influência da indústria; no entanto, como esse princípio será operacionalizado ainda não está claro. De maneira geral, a iniciativa SAFER não recebeu a prioridade programática ou os recursos necessários. Por exemplo, tributar o álcool é uma das estratégias SAFER. A OMS recomendou taxas de imposto para tabaco (pelo menos 70% do preço final) e bebidas adoçadas com açúcar (pelo menos 20%), mas não para o álcool. No entanto, essa negligência não se limita à OMS; muitas instituições internacionais e agências da ONU e estados membros envolvidos na saúde global continuam negligenciando o controle do álcool.

Instituições de saúde global também ignoram persistentemente o controle do álcool. A Bloomberg Philanthropies, líder mundial no controle do tabaco, convocou uma força-tarefa de alto nível com ex-chefes de estado e ministros de finanças para considerar políticas fiscais para a saúde. A organização filantrópica reconheceu que os impostos sobre o álcool eram subutilizados e, se implementados, poderiam salvar indiretamente até 22 milhões de vidas nos próximos 50 anos [12]. No entanto, a Bloomberg Philanthropies não dedicou recursos a programas de controle de álcool. O Wellcome Trust, que anunciou um grande compromisso de £ 200 milhões para transformar a pesquisa e o tratamento para a saúde mental, também investiu £ 171 milhões na Anheuser-Busch InBev a partir de 2017 [13]. Porém, nenhuma instituição filantrópica de financiamento em saúde global alocou recursos substanciais ou priorizou investimentos no controle do álcool, apesar de esse problema negligenciado precisar de liderança.

A comunidade internacional continua a desconsiderar o controle do álcool como uma prioridade política que pode salvar vidas. A atenção política ao álcool não é nada proporcional à sua ameaça à saúde; o álcool mata mais pessoas anualmente do que HIV, tuberculose e malária, juntos. O controle do álcool é uma necessidade urgente dos fortes defensores do sistema das Nações Unidas concedidos ao controle do tabaco. Acadêmicos e profissionais de saúde pediram uma convenção-quadro sobre o controle de álcool; no entanto, antes que essa orientação possa ser feita, a comunidade internacional que atua no campo da saúde precisa reconhecer seu ponto cego.

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